segunda-feira, 7 de junho de 2010

Profissionais se mobilizam pelo fim dos manicômios

O número de leitos psiquiátricos no Brasil foi reduzido à metade nos últimos 10 anos. E a exemplo da Itália, que desde 1978 não tem nenhum manicômio, o Brasil também quer acabar com os 300 hospitais psiquiátricos que ainda existem. É o que defenderam os 2.000 profissionais de Saúde Mental, de todas as regiões, participantes da segunda edição do Congresso Brasileiro de Saúde Mental, que terminou sábado no Rio de Janeiro. Organizado pela Escola Nacional de Saúde Pública e pela Associação Brasileira de Saúde Mental, o debate esteve voltado para a promoção de serviços humanizados voltados à saúde mental e a afirmação do Sistema Único de Saúde (SUS) como ferramenta ideal de inclusão de pessoas com transtornos mentais.

Segundo o psiquiatra Ernesto Venturini, consultor de Saúde Mental da OMS, o principal entrave brasileiro à extinção dos manicômios é o fato de serem, em maioria, instituições particulares.

“O Brasil já avançou bastante. O primeiro passo foi dado: a indignação. O segundo é a capacidade de mobilização civil, também aconteceu. O país está no meio do processo, ainda buscando fortalecer suas políticas públicas”, afirmou.

Paulo Amarante, psiquiatra e pesquisador em Saúde Mental da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), diz que o Brasil vive uma nova concepção em saúde mental com a integração de pessoas com transtornos mentais em atividades culturais e com a valorização do atendimento fora dos hospitais.

“Ninguém é doente mental. Existem pessoas em sofrimento psíquico ou com transtorno mental. Todas as pessoas passam por fases difíceis que acabam. Mesmo os casos gravíssimos”, defende Paulo Amarante. Durante o Congresso, o psiquiatra conversou com Brasília Confidencial.

Brasília Confidencial - Segundo a OMS, 10% da população do mundo têm transtorno mental. Por quê?

Paulo Amarante - Porque não sabemos exatamente o que é o transtorno mental. É muito difícil precisar o comportamento diferenciado, exótico, estranho, de um comportamento patológico. A obra ‘O Alienista’, de Machado de Assis, faz essa crítica. E muitos outros autores também. O que é normal aos olhos de um, não é normal aos olhos de outro. Isso não é só relativo, mas muito fundamental.

BC - A loucura do nosso dia a dia está nesses 10%?

Amarante - Sim. Angústia, stress, depressão, ansiedade, pânico, coisas que ninguém sabe bem o que são. Nossa linha da psiquiatria é uma linha crítica, que não acata construções sociais como a ideia de que exista um “mau” permanente rondando e que deve ser isolado ou necessariamente medicado. Na verdade, quando você olha para o outro dizendo ‘você é doente’, você produz essa condição ao outro.

BC - Qual o eixo central desse congresso?

Amarante - A superação do modelo manicomial, desse modelo tradicional que diz que a pessoa com transtorno mental tem que ser isolada porque tem um defeito na capacidade de discernimento, de juízo. As pessoas são diferentes e podem ser incorporadas à sociedade com as suas diferenças. Isso implica em lutar contra uma tendência contemporânea de medicalizar tudo. Hoje, a tristeza se torna doença ao ser medicalizada. Quanto mais a gente defende a diversidade, paradoxalmente a psiquiatria defende a patologização. O conceito de diversidade é oposto ao de patologia. As pessoas são diferentes, por exemplo, no humor. Mas se você olhar tudo como doença, você vê doença.

BC - Há muitos manicômios no Brasil?

Amarante - Temos ainda 30.000 leitos psiquiátricos em cerca de 300 manicômios.

BC - Há projeções para baixar esses números?

Amarante - Estamos baixando. Há 10 anos tínhamos 60.000 camas. Baixamos 50% em uma década.

BC - Alguma política específica ajudou para isso?

Amarante - Primeiro destaco a força do movimento social da luta anti-manicomial. Ele perpassa toda a sociedade brasileira envolvendo pacientes, familiares e técnicos. Um movimento que luta e que constrói possibilidades. Segundo, há políticas nacionais. Fizemos aprovar a lei da Reforma Psiquiátrica, a partir de um movimento social, que determina que os manicômios sejam progressivamente fechados e substituídos por novas alternativas. Nos últimos anos essa lei e outras portarias foram se aperfeiçoando a partir do crescimento da relação do Estado com a sociedade civil.

Fonte: Brasilia Confidencial

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